ICAE Brasil 2023: veja como foi a conferência internacional sobre arte, lei e mercado

ICAE Brasil 2023: veja como foi a conferência internacional sobre arte, lei e mercado

Publicado em https://blog.artsoul.com.br/

Autor: André Pereira de Almeida É graduado em Comunicação pelo Instituto de Arte da Unicamp. Educador e redator.

O International Conference Artwork Expertise (ICAE) se destaca por ser o primeiro congresso internacional de expertise em arte na América Latina. Após suas edições em Buenos Aires, em 2016, e no Rio de Janeiro, em 2018, o terceiro encontro desembarcou em São Paulo, precisamente no Museu de Arte Moderna (MAM), no Parque do Ibirapuera. Contando com apoio de importantes instituições, como UNESCO, ICOM e IBRAM, além de diversas outras entidades públicas e privadas, o ICAE é um espaço para exposição e diálogo sobre variados domínios, desde a legislação e autenticação de obras até o universo do mercado da arte e do colecionismo. O evento, que ocorreu no último domingo, dia 5 de novembro, concentrou-se em explorar essas áreas com detalhe. A Artsoul é parceira do ICAE e, a seguir, apresentamos os momentos mais notáveis que marcaram essa experiência.

O dia começou com palavras de boas-vindas de Gustavo Perino e Anauene Dias Soares, organizadores do evento. Gustavo, docente e coordenador do programa de pós-graduação em Peritagem e Avaliação em Obras de Arte na Universidade Santa Úrsula, é o fundador da Givoa Art Consulting, uma empresa especializada em perícia e avaliação de obras. Já Anauene, advogada, mestre e doutora em direito com especialização em direitos culturais, é a fundadora do Anauene Art Law, um escritório dedicado ao campo do direito da arte e do patrimônio. Em seu discurso inaugural, destacaram a importância deste evento e sua abordagem holística, que enxerga a perícia, o direito e o mercado da arte como componentes interligados de um grande campo. Essa visão ampla sobre a arte auxilia seu desenvolvimento como um todo, pois diferentes etapas de seu processo, desde a criação artística até a proteção do patrimônio cultural histórico, passam por esses três pilares.

Em seguida, a discussão seguiu com as contribuições de Cauê Alves e Daniela Matera Lins. Cauê, curador-chefe do Museu de Arte Moderna de São Paulo, e Daniela, museóloga e diretora do Museu Nacional de Belas Artes no Rio de Janeiro, compartilharam as trajetórias de suas respectivas instituições. Ambos ressaltaram a relevância de temas como peritagem de arte e colecionismo no contexto histórico e nas iniciativas de seus museus. Cauê destacou o Clube dos Colecionadores do MAM, um projeto que promove o colecionismo de arte, com ênfase em gravuras e fotografias. Por sua vez, Daniela compartilhou detalhes sobre a significativa reforma em andamento no MNBA, com previsão de reabertura em meados de 2024.

A manhã encerrou-se com o primeiro painel intitulado Art Authentication, focado na autenticação e perícia de obras de arte, bem como suas nuances e relevância. O painel foi subdividido em duas partes, sendo a primeira composta por Alejandra Leyba, da Givoa Argentina, Luciano Delgado Tercero, professor da Universidad de Nebrija na Espanha, e Gustavo Perino. A mesa foi mediada pela pesquisadora Vanessa Bortulucce. Durante as discussões, o destaque recaiu sobre a aplicação da Due Diligence, que em português significa “devida diligência”, na peritagem de obras de arte. Esse conceito, amplamente conhecido no âmbito legal, refere-se à minuciosa investigação e análise necessárias antes de tomar decisões cruciais. No contexto da autenticação de obras de arte, a devida diligência aborda vários aspectos, incluindo sua origem, documentação e laudos técnicos. Como exemplificado por Gustavo, uma boa provenance, procedência e perícia de arte, pode aumentar seu valor em até 54%. No entanto, se basear na provenance apenas não é o suficiente, já que é necessária a análise de elementos como técnica, estilo, tintas e pigmentos utilizados também desempenha um papel fundamental na verificação da autenticidade da obra.

Na segunda parte do painel, o foco se direcionou para as técnicas, normas e tecnologias contemporâneas aplicadas na autenticação de obras de arte. José Roberto Roque, diretor do Instituto de Autenticação e Avaliação de Obras de Arte do Brasil (i3A), atuou como mediador, acompanhado por Marcelo Redigolo, do Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares (IPEN), e Paulo Rocha, da Essencis Technologies. Os palestrantes abordaram os desafios técnicos inerentes ao processo de perícia, explorando questões como a análise da composição química de tintas e a eficácia de tecnologias como raio-X e fotografia infravermelha. Encerrando a sessão, Paulo Rocha conduziu uma demonstração envolvendo um dos aparelhos da Essencis, apresentando uma análise química de uma obra em exibição no auditório e ilustrando como a origem de uma obra pode ser compreendida por meio de sua composição química.

A tarde se iniciou com o painel Art Law, que se concentrou nas leis relacionadas à arte, produção cultural e patrimônio histórico. Anauene conduziu o diálogo, acompanhada por Nichollas Alem, advogado da BSA Advogados, e José Miguel Puccinelli, advogado argentino do escritório Beccar Varella. O foco principal do painel foi a aplicação da devida diligência no âmbito do direito da arte, uma ação necessária para prevenir a aquisição e venda de bens roubados, perdidos ou falsificados, evitando prejuízos não apenas para os colecionadores, mas também para o patrimônio nacional. No contexto, foram compartilhadas iniciativas relevantes, como a Red List do ICOM, um projeto do qual Anauene foi coordenadora, que classifica objetos protegidos que não devem ser comercializados mas que circulam no mercado informal, e o site da Interpol, que também mantém um banco de dados de objetos de arte procurados. Outro ponto relevante abordado foi a discussão sobre a elaboração de contratos na aquisição de obras de arte. É necessário detalhar os direitos de reprodução, digitalização, exposição, revenda, entre outros, que não necessariamente estão abrangidos pelo direito de posse de uma obra. Esse aspecto se torna ainda mais crucial quando a arte em questão é uma performance ou uma instalação, exigindo considerações detalhadas, como as condições de exposição e iluminação, entre outros pormenores.

O último painel, Art Market, focado no mercado da arte, foi dividido em dois momentos. A primeira mesa contou com a participação de Nei Vargas, professor da Universidade Santa Úrsula, Thaís Franco, diretora de gestão de coleções da KURA, Leonardo Wengrover da W.Advisor, Ana Maria Lima da Hurst Capital e Alex Tso, fundador da Diáspora Galeria, que abordaram o colecionismo a partir de diversas perspectivas.

Nei Vargas compartilhou resultados de sua pesquisa, destacando que o colecionismo não está diretamente ligado ao poder aquisitivo, e que a maioria dos colecionadores brasileiros investe até R$50 mil por ano em suas coleções. Thais Franco apresentou o trabalho da KURA, que oferece serviços de consultoria de arte. Esse é um serviço pessoal e customizado, que inclui desde a mediação entre colecionadores e galerias até a instalação, manutenção das obras e gestão das coleções. Leonardo Wengrover discutiu seu papel profissional em apoio ao patrimônio familiar, considerando o patrimônio em um sentido amplo. Nesse contexto, uma coleção de arte pode enriquecer o capital intelectual, cultural e social de uma família, trazendo uma complexidade que ultrapassa o simples bem material. Ana Maria compartilhou informações sobre a operação coletiva de investimentos da Hurst Capital, que investe em artistas específicos a cada ano, e uma vez que as obras são vendidas, os lucros são divididos entre os acionistas. Esse tipo de operação tem rendido entre 16% e 18% ao ano, com artistas como Abraham Palatnik alcançando uma taxa ainda mais alta de 27% ao ano, superando as médias do mercado. Além disso, Ana Maria destacou o crescimento da visão da arte como um investimento, citando dados do Relatório da Artsy que ilustram esse crescimento. Para encerrar, Alex Tso compartilhou a história da Diáspora Galeria, a primeira instituição do setor a adotar cotas de representatividade étnico-racial. Durante sua exposição, Alex levantou questões relevantes sobre o papel das galerias e dos colecionadores, questionando se eles podem desempenhar também uma influência no cenário social e cultural, e, em caso afirmativo, como podem seguir por esse caminho.

Na segunda parte do painel Art MarketTamara Perlman, diretora de novos negócios na SP-Arte, atuou como mediadora no diálogo entre Ulisses Cohn, da Associação de Galerias de Arte do Brasil (AGAB), e Victoria Zuffo, presidente da Associação Brasileira de Arte Contemporânea (ABACT). Ambas as instituições englobam galerias, mas com focos distintos. A ABACT concentra-se no mercado primário, onde as obras de arte são vendidas pela primeira vez, enquanto a AGAB atua no mercado secundário, que envolve a revenda de obras, geralmente associadas a artistas renomados. A discussão explorou as semelhanças e diferenças entre essas abordagens. Por exemplo, o mercado secundário lida com questões de falsificação com maior frequência, o que não é tão comum no mercado primário. Já a ABACT preocupa-se em desempenhar um papel de promoção, incentivando galerias e artistas brasileiros por meio de exposições no exterior e intercâmbios internacionais. Por fim, Ulisses destacou que o trabalho eficaz das galerias no mercado primário também reflete positivamente no mercado secundário, resultando em obras com documentação mais completa e organizada, graças aos esforços recentes das galerias nesse sentido.

No encerramento do ICAE, Ulisses, Victoria e Tamara enfatizaram a importância de eventos similares. Eles recordaram um ponto trazido ainda no início: que o cenário da produção e do mercado de arte é intrincado e interdependente, envolvendo aspectos que vão desde a criação e venda até a exposição, restauração e validação, entre outros elementos fundamentais. Nesse sentido, é essencial compreender que o mercado de arte não compete com museus, instituições ou o patrimônio público. Pelo contrário, ele desempenha um papel crucial na preservação da memória cultural da sociedade, trabalhando de forma colaborativa e sinérgica com outros setores. Se você tiver interesse sobre o mundo da arte e desejar assistir aos painéis, é possível fazê-lo de forma on-line, no site do ICAE. Após a inscrição, você terá acesso às gravações do evento e as apresentações realizadas pelos palestrantes, explorando em detalhes as diversas reflexões e discussões sobre autenticação, leis e o mercado de arte.

uma ação com características próprias e singulares, o ICAE “permite conhecer o ciclo de vida de uma obra de arte desde o seu registo, identificação, comercialização, trâmites legais, e utilização como ativo financeiro”, define Gustavo Perino.