A obra de arte frente ao perito

A obra de arte frente ao perito

A obra de arte frente ao perito: a falsificação na história da arte

[Do século XIII ao início do século XX – 1ª. Parte] Autor: Perito Gustavo Perino

 

Os contínuos esforços que as instituições e pessoas envolvidas na proteção do patrimônio realizam têm como objetivo a preservação dos bens culturais como parte de nossa memória, a qual é parte de nossa cultura e esta nos identifica e nos faz sentir parte de uma comunidade. Independentemente do lugar do planeta onde nos encontrarmos, milhares de pessoas trabalham sem pausa na proteção dos bens culturais.

Historiadores, conservadores, arqueólogos, museólogos, restauradores, professores e dezenas de profissionais parceiros formam equipes interdisciplinares, que zelam pela proteção do patrimônio cultural. No entanto, só faz sentido quando o bem protegido é devidamente identificado e qualificado como original. Momento este em que a atuação do perito de arte torna-se essencial.

Os peritos de arte são responsáveis pelas investigações concernentes aos fatos que deram origem às peças estudadas e tentam determinar a sua autenticidade. O trabalho é complexo e envolve todos os profissionais mencionados acima e incorpora o mundo científico, mediante as ferramentas tecnológicas disponíveis para aportar informação fiel sobre a origem e composição dos materiais que compõem os bens. Num mundo onde estima-se que 30 a 40% das obras de arte são falsas ou estão mal atribuídas, esta tarefa cobra mais complexidade ainda.

A obra de arte frente ao perito é uma aproximação ao olhar específico dos especialistas que estão envolvidos nas perícias de arte, sempre nos referenciando a perícias acadêmicas, interdisciplinares e com comprovação científica. Entender o complexo mundo das falsificações e as ferramentas para combatê-las é o primeiro passo para integrar profissões que por séculos nunca tinham dialogado.

O assunto da “Perícia de Arte” não é novo, remontando ao século XVII, quando começaram as primeiras atividades formais dos “Conhecedores” (Connoisseur em francês). Durante séculos, o conhecimento ficou cativo aos especialistas que trabalhavam na área. No início do século XXI, com a revolução tecnológica da informação, este conhecimento começou a sua verdadeira expansão. Surgiram as primeiras carreiras acadêmicas, os primeiros congressos como Authentication in Art, na Holanda, 2012 e International Conference Artwork Expertise (ICAE), 2016, que estabeleceram um marco de discussão para a atividade e a inter-relação com outras profissões.

O trabalho realizado pelo autor, desde 2012, e a pesquisa permanente sobre processos e ferramentas para elucidar casos, levou à preparação de cursos e treinamentos direcionados às pessoas que trabalham na área, mas nunca receberam informação sobre como olhar criticamente uma obra, questionando a sua autenticidade. Num contexto onde existe uma grande necessidade da identificação correta das obras de arte, este material vem para oferecer um pouco de luz sobre o assunto e abre uma porta a um conhecimento até agora ignorado pela maioria.

 

Peritagem e a luta contra a falsificação. A falsificação na história da arte

Desde que temos registros da nossa história, existem testemunhas de casos de falsificação de obras de arte, joias e todo tipo de objetos que possam ser comercializados. Desde papiros egípcios do Museu de Estocolmo até o próprio Arquimedes de Siracusa, que oficiou de perito ourives do Rei Hieron, no ano 287 AC., temos exemplos de atividades dos conhecedores na matéria, que ajudaram a descobrir a verdade. O trabalho do perito é essencialmente descobrir a verdade. Além das suas motivações, o perito procura evidências nos fatos e, com a ajuda da ciência, determina e reconhece (neste caso) peças de arte.

Temos grandes exemplos de enigmas como a virgem das rochas de Leonardo Da Vinci, uma delas no Louvre, de 1483-1486, e a outra na National Gallery de Londres, de 1495-1508. O mistério leva quatro séculos e não há projeto de descobrir qual é a original e qual é a cópia. Provavelmente, precisamos de um caso como “A polêmica de Dresde de 1871”, em que se estabelece o método comparativo para as perícias de arte.

 

A polêmica de Dresden 1871 [1]: A Madonna do Burgomaestre, Meyer de Hans Holbein o Jovem. Desta obra existem duas peças, uma na cidade de Dresde e a outra em Darmstadt. O quadro de Darmstadt é a obra original de Holbein e foi realizada em 1526, a outra peça, é uma cópia efetuada no século XVII, do pintor Bartolomeu Sarburg.

No começo de 1871 se estabeleceu um congresso em Dresde sobre a discussão da elevação até o máximo do método de exame artístico. Mediante o método comparativo ambas peças foram estudadas por especialistas. Reuniram-se 46 obras do artista  que, após revisão, 32 foram excluídas. As duas peças foram comparadas entre elas: a peça de Dresde era a mais famosa e a principal obra do Museu, até a população participou da pesquisa. A cópia de Sarburg foi um pedido de Catalina de Médici, nos anos 1636-38, e o pedido incluía que a assinatura fosse “Holbein”.

O resultado final do estudo foi: O exemplar de Darmstadt da Virgem de Holbein é indubitavelmente autêntico; na cabeça da virgem e a criança existem importantes intervenções que taparam o estado original da peça; pelo contrário, a peça de Dresde não tem sinais da intervenção do artista Holbein. Por outro lado, uma consulta popular sobre o assunto determinou exatamente o contrário, já que toda a população estava imersa nos interesses de Dresde; os especialistas envolvidos no assunto, receberam a ajuda de especialistas estrangeiros e, finalmente, a pesquisa determinou que a peça de Darmstadt era a peça original. Este caso foi um grande acontecimento na história da perícia de arte, foi estabelecido o método comparativo como método de perícia.

Han Van Meegeren

Han Van Meegeren

Fig. 3. fonte: George Rodger, Time & Life Pictures, Getty Images
Tom Keating

Tom Keating

Fig. 4. fonte: PA Images / Alamy Stock Photo
Elmir de Hory

Elmir de Hory

Fig. 5. fonte: Reprodução de imagem de abc.es [2]
Tom Myatt

Tom Myatt

Fig. 6. fonte: Washington Green Fine Art
Mark Landis

Mark Landis

Fig. 7. The New Yorker. fonte: Condé Nast

Grandes falsificadores

Neste contexto, os falsários têm uma grande vantagem: a aceitação de uma parte da opinião pública. Aparentemente, muitas pessoas acham que falsificar arte não é tão grave assim. Uma visão míope de um flagelo que movimenta seis bilhões de dólares anuais.

 

Han Van Meegeren: O maior falsário do século XX falsificou obras do artista Johhannes Vermeer. Dentro da cadeia, teve que demonstrar que foi ele quem falsificou, já que a punição por ser falsificador era menor que a punição de ser espião.

Tom Keating: Falsificou mais de 2000 obras de arte de mais de 100 artistas famosos. Esteve pouco tempo na prisão e logo virou um famoso “artista” apresentador de TV na Inglaterra.

Elmir de Hory: Falsificou mais de 1000 obras de arte de grandes artistas. Circulava por Buenos Aires durante seus melhores anos de marchand num roll royce. Suas obras estão espalhadas pelo mercado e muitas delas, já reconhecidas como falsas, valem milhões.

Tom Myatt: Falsificou mais de 200 obras de arte de Picasso, Braque, Giacometti, Monet e Renoir. Foi preso em 1995, mas em 1996 saiu da prisão e transformou-se em apresentador de TV.

Mark Landis: Durante décadas, fez doações de obras de arte a museus e galerias pelos Estados Unidos. Foi reconhecido como um excêntrico colecionador que tinha atitudes filantrópicas, porém suas obras eram falsificações de sua autoria. Nunca foi indiciado porque nunca vendeu uma obra. Assim, não tinha cometido nenhum crime.

Tentar imitar a morfologia de um desenho é complexo. Realizar uma obra digna de engano deve conter detalhes mestres das obras originais. Se um falsário realiza mais de 200 obras falsas de cinco artistas diversos, qual será o grau de detalhe e perfeição nessa obra? Isso constitui uma boa notícia para os pesquisadores.

 

Evolução e motivações. Algumas motivações dos falsificadores:

  • Aproveitamento da fama e valor de um artista;
  • Ausência de controles técnicos para ingressar a obra ao mercado;
  • Disponibilidade de materiais e suportes que aparentam maior antiguidade;
  • Facilidade para a falsificação de documentos e provenance (proveniência);
  • Circuito de ingresso da obra falsa ao mercado por médio de vendas públicas (catalogação das obras);
  • Alto custo de perícia facilita a venda de obras menores falsificadas;
  • Incremento do valor mediante a incorporação de uma assinatura falsa a uma obra autêntica.

Perícia de arte, antecedentes. Para poder entender a situação atual da perícia de arte, devemos mergulhar num mundo de experiências e histórias sobre pessoas que deixaram para o futuro os seus critérios e conhecimentos. A bibliografia é muito escassa e uma das motivações desta publicação é fazer um resgate histórico a eles: Os pioneiros da perícia de arte.

 

Século XVII

Itália: Aparece a palavra «Conoscitore», usada para definir ao “Conhecedor” não acadêmico, diferenciando-os dos professores.

Giulio Mancini (1558-1630)  escreve, em 1620, um livro intitulado “Considerações sobre a pintura, o deleite de um gentil homem nobre”. A peça está dividida em duas partes. Na primeira ele descreve biografias de grandes contemporâneos como Caravaggio e Carracci. Na segunda parte do livro ele pretende outorgar elementos práticos para conseguir diferenciar um trabalho original de uma cópia, a criação e distribuição de obra dentro de uma galeria e fazer uma distinção entre escolas e datas. Sem saber, o autor estava descrevendo as funções do Connoisseur cem anos antes de que se formalizaram o uso do termo.

Mancini dizia: “É necessário adquirir uma certa prática na cognição da variedade da pintura quanto ao seu tempo, como tem esses antiquários e bibliotecários os quais reconhecem o tempo da escrita”. Desta maneira realizava uma analogia forte com a literatura, olhando as singularidades inimitáveis das escritas individuais. Isolando nas pinturas os elementos igualmente imitáveis, ele queria estabelecer um método de reconhecimento das obras de arte baseados nesta comparação e estudo. “Se o autor da cópia não quer imitar o jeito do mestre, será evidenciada uma maneira diferenciada e se quiser copiá-lo será algo forçado e sem espontaneidade.” [3].

Sua constante referência às características da língua escrita da época antecipa o forte vínculo da perícia grafotécnica e perícia de arte do século XXI. Ele faz referência à “desenvoltura”, “traços e volteios”, “elegância e rapidez no ductus” (como se executa a pincelada).

 

Século XVIII

Ano 1714.  Connoisseur: “refere-se a um juiz crítico de qualquer arte, um conhecedor das belas artes e, portanto, competente para julgar suas produções”, de especialista em francês (francês moderno connaiseur), do velho e conservador francês conoistre “saber”, do latim cognoscere “conhecer, reconhecer, tornar-se familiar”. [4]

Inglaterra, ano 1719. Jonathan Richardson escreve os princípios da profissão dos Connoisseurs no seu livro The connoisseur an essay on the theory of painting [5]. “O Connoisseur um ensaio sobre toda a arte da crítica em suas relações com a pintura” aborda com critério e honestidade todas as dificuldades da arte da peritagem. No segundo capítulo do livro trata “A mão do mestre” e no terceiro e último capítulo “A maneira de distinguir um original de uma cópia”. Porém, na mesma época o pintor William Hogarth descreve aos Connaisseurs como arrogantes e ignorantes.

 

 

 

França, ano 1719. O crítico Padre Dubois considera ao Connaisseur como um “erro”, comparando-o com a “tragédia e inconfiabilidade da Medicina e da Grafologia”. Segundo ele: “A arte de adivinhar o autor de um quadro, reconhecendo nele a mão do mestre é a mais falha de todas as artes depois da medicina.” [7]

Itália, ano 1781. Francesco Milizia (1725-1798), escrevia e reconhecia no seu livro “A Arte do olhar”, a importância do expert mas questionava a falta de um método claro de pesquisa. Às vezes “o Connaisseur não sabe onde mirar”. Seu livro foi muito contestado pelos principais artistas Italianos, Milizia realiza uma crítica estética à pintura, gravura e escultura da época [8].

O “Belo ideal” é escolher todas as partes belas do que oferece a natureza e criar um todo perfeito. A natureza é bela e as artes têm como objetivo imitar a natureza, então de aí vem o termo “Belas Artes”, imitar e idealizar o belo. O verdadeiro mérito é expressar o que não se vê naturalmente. Segundo ele, as artes deviam “agradar” então não servia imitar literalmente à natureza. Belas Artes é unir o agradável ao útil.

Milizia faz uma avaliação das belas artes baseada nos conceitos de unidade e variedade que outorgam o complexo de relações chamada simetria. Algumas expressões do autor são dignas de destaque: “Se o gosto é um julgamento rápido, ao qual todas as faculdades do entendimento conspiram, abraçando em suas comparações uma multiplicidade de ideias, requer um gênio desempenhado em cada uma delas e acostumado a compreendê-las todas juntas. É necessário adquirir o prazer de ter visto muito e comparado muito; e é necessário que todas as artes e ciências se prestem em ajuda mútua”.

Obras anônimas; tomara que todas as esculturas, pinturas e gravuras foram anônimas. Então seriam melhor avaliadas e teriam mais cuidado em analisá-las, pois não é feito com as obras que estão assinadas ; eles procurariam seu verdadeiro mérito sem se preocupar com as figuras ou assinaturas, sejam elas verdadeiras ou falsas, e dariam o valor correto aos trabalhos sem considerar quem foi quem as executo. [9]  (…)

Sem saber como fazê-lo, olham e veem e nada veem que os autorize a decidir se a tela à sua frente é boa ou má, se é de Ticiano ou Orbaneja, a que escola pertence, se é uma cópia ou original. Porque se eles não veem nada, eles não entendem.

(…) por que eles compram mesas velhas, telas retocadas e folhas de cobre? Quer mostrar inteligência, instrução e bom gosto. Quanta vaidade e quanta mentira! [10]

 Milizia queria que análises certas e aprofundadas fossem feitas sobre a estética antes de julgar o mérito de uma pintura.

 

Século XIX

França, ano 1842. Théophile Thoré (1807-1869), [11] chamado também William Bürguer, foi o descobridor de Vermeer e criador do termo “perito conselheiro”. Ele funda a primeira consultora de perícia de arte chamada “A aliança das artes” que virou um fracasso econômico por ser muito de vanguarda para a época, mexer com autenticidade sempre representa mudanças no patrimônio econômico dos proprietários das obras.

 

 

Théophile Thoré-Bürger foi um crítico de arte francês que levou mais longe seu republicanismo e seu envolvimento com o movimento de 1848, a ponto de ter de se exilar no ano seguinte, dividindo-se, a partir de então, entre a Suíça, a Inglaterra e a Bélgica. Thoré-Bürger já havia ficado um ano preso sob o governo de Luís Filipe. Em 1842, fundara com Paul Lacroix (1806-1884) (historiador, bibliógrafo, jornalista, autor romancista e dramático) [12]. “A aliança das artes: Sociedade para a perícia e comércio de pinturas, livros, moedas e medalhas” cujo endereço era Bureau de l’Alliance des Arts, 178 rue Montmartre, Paris. Tratava-se de um negócio especializado em compra, venda e perícia de bibliotecas e coleções de quadros. Esse empreendimento, embora tenha durado apenas até 1846, proporcionou-lhe a oportunidade de viajar pela Europa, entrar em contato com colecionadores e familiarizar-se com os métodos da Connoisseurship (conjunto de elementos de estudo para a determinação da autenticidade nas obras de arte).

Do ano de 1842 até 1845, foram  publicados 72 boletins de Arte da Aliança. O Bulletin of the Arts Alliance 11, [14] publicado mensalmente, era a soma das vendas de pinturas de mestres, publicações de obras de  história da arte, e exibia as práticas e o funcionamento dos museus, os métodos de catalogação e publicação entre outros aspectos do mercado de arte. Thoré, favorecendo como sempre o aspecto histórico, substituiu a ordem alfabética tradicionalmente utilizada por um sistema novo de classificação cronológica e geográfica.

Viajou pela Bélgica, Holanda e Alemanha e começou a descobrir artistas, nos acervos artísticos ainda não catalogados nesses países, trabalhando sobre uma série de artistas sobre os quais se dispunha, até então, de pouca informação confiável. Segundo ele, o conhecimento dos “velhos mestres” era essencial para apreender os aspectos mais técnicos da arte: a linguagem da pintura como ela havia sido desenvolvida ao longo dos séculos. Sobre o pintor suíço Leopold Robert, ele escreveu em um artigo em 1843: “A pintura também tem a sua linguagem, ou seja, os seus meios de expressão, aperfeiçoado por sucessivos esforços de grandes homens de tradição pictórica, e é a parte técnica da arte que deve ser estudada.” [16]

A partir de 1846, Thoré terminou gradualmente a sua participação na Aliança das Artes, devido às dificuldades financeiras do projeto. Nessa época, como agora, a perícia de arte questiona o status quo e permeia muitos interesses. Thoré-Bürger mais tarde irá se apressar em se inserir em uma tradição europeia mais ampla de pesquisas históricas, como podemos ler neste trecho de sua introdução a seu Musées de l’Hollande:

É verdade que na França, recentemente, fomos tomados de paixão pelos velhos papéis. Reunimos, classificamos, comparamos, interpretamos todos os documentos que podem ajudar a reencontrar uma história quase perdida. Nós a reencontraremos. E após esses cavadores virão os jardineiros. Nos países do Norte, o mesmo movimento de erudição. Na Holanda e na Bélgica, os arquivistas, os bibliófilos, descobrem todos os dias os traços interessantes do passado. [17]

 Compartilhando o entusiasmo de sua época pela pesquisa de fontes primárias para a história da arte, em 1856, em Amsterdam, Thoré-Bürger visita muitos acervos, lê documentos, observa obras mal identificadas, que ainda são expostas em seus locais originais, ou seja, os locais para onde, em geral, foram encomendadas [18].

Já em 1858, dedica-se a esse então quase desconhecido pintor (Vermeer) em um capítulo pequeno:

Mas ele é um grande pintor, cuja biografia não é mais conhecida do que aquela de Hobbema, e cujas obras são ainda mais raras. Sabemos somente que ele nasceu em Delft em cerca de 1632, e é por isso que, a fim de distingui-lo de seus homônimos, é chamado de Van der Meer de Delft (Delfsche van der Meer). Segundo Immerzeel, seu verdadeiro nome seria Jan Vermeer e ele teria sido aluno de Karel Fabricius. Não há nenhuma prova disso, o que de resto significaria pouco, e é preciso deixar esse Delfsche van der Meer entre os ilustres desconhecidos. [19]

 Thoré-Bürger intensificará as pesquisas nos anos seguintes e o resultado será a publicação, em 1866, de uma série de três artigos dedicados a Vermeer na Gazette des Beaux Arts[1] (conforme Bürger nas edições de 1866a, 1866b, 1866c) . No primeiro artigo, com uma dedicatória para Champfleury, ele inicia fazendo alusão ao texto do amigo sobre os Le Nain, e ao mistério que cerca aqueles artistas caídos no esquecimento. A essa imagem acrescenta: Van der Meer seria para nós um enigma, um pintor genial e pouco compreendido, que merece posição mais honrosa no cânone artístico. O conjunto de artigos apresenta-se como uma narrativa, para nós hoje emocionante, sobre o modo como Thoré-Bürger redescobriu o pintor, suas viagens à Holanda, a definição, aos poucos, de um perfil mais nítido do artista, o levantamento do pequeno conjunto de obras, a tentativa de identificação mais precisa do pintor por meio da análise de suas assinaturas. Vermeer não era, contudo, o único pintor holandês pouco estimado a interessar Thoré-Bürger.

Como bem demonstra Jowel (1974), Thoré-Bürger começa a se interessar também por Frans Hals em 1857, mencionando-o em Trésors de l’art  en Angleterre (com o pseudônimo Willian Bürger), e publica dois artigos sobre ele novamente na Gazette des Beaux-Arts, em 1868. Talvez, não por acaso o Louvre tenha adquirido seu primeiro Frans Hals autêntico, “Moça cigana”, um ano depois, em 1869.

Da mesma forma, Thoré-Bürger transforma o esquecimento do grande artista em fato condenável:

Frans Hals está para Rembrandt assim como Tintoretto para Ticiano. A Inglaterra, ao que parece, não pesquisou muito este mestre excêntrico e fogoso. Em sua primeira obra, em alemão, sobre as galerias inglesas, o Sr. Waagen cita apenas um retrato de Hals, junto ao Duque de Devonshire; há muitos outros, notadamente junto a Lord Ellesmere, um muito bonito retrato de mulher, gravado na Stafford Gallery. [20]

A Exposition Rétrospective de 1866, primeira ocasião em que obras de Vermeer foram expostas ao público parisiense, para a qual Thoré arrecadou pinturas emprestadas dos diversos colecionadores com quem mantinha contato e emprestou, ele mesmo, obras de sua pequena coleção. Das onze obras atribuídas a Vermeer expostas nessa ocasião, apenas quatro são até hoje consideradas originais. Entretanto, a exposição e a monografia publicada em seguida por Thoré aumentaram, exponencialmente, o interesse geral pelo artista, provocando a realização de outras pesquisas subsequentes. Ele cria sua própria coleção de Arte que, inclui naturalmente a seus artistas descobertos, Hals e Vermeer. Ele acunha, por primeira vez, o termo “Perito Conselheiro”.

 

Alemanha, ano 1871. Estabelece na polêmica de Dresde o método comparativo para avaliar  pinturas. Poucos anos mais tarde foram publicados no mesmo país os estudos realizados pelo italiano Giovanni Morelli (1816-1891) [21] que, pela primeira vez, a observação da motricidade fina vai muito além da avaliação morfológica imperante na época para a avaliação das pinturas. Ele compara o processo de perícia em arte com a perícia forense, mas esses textos foram inicialmente publicados na Alemanha com o nome Ivan Lermolieff e Johannes Schwarz. O anagrama de Morelli foi publicado assim por questões políticas. Esse ardil durou pouco tempo até que se soube do verdadeiro autor. Isso ajudou que seus críticos falassem do método como uma fantasia.

Morelli dizia que os museus estavam lotados de quadros mal distribuídos. Devolver o quadro ao verdadeiro autor era uma tarefa difícil, sobretudo pela ausência de assinatura ou pelo estado de conservação. Ele sugeria não se basear (como normalmente se faz) nas características mais vistosas, portanto mais facilmente imitáveis, dos quadros (tradicional estudo morfológico): “Os olhos erguidos para o céu dos personagens de Perugino, os sorrisos dos Leonardos, e assim por diante. Pelo contrário, é necessário examinar os pormenores mais negligenciáveis, e menos influenciados pelas características da escola a que o pintor pertencia; os lóbulos das orelhas, as unhas, as formas dos dedos das mãos e dos pés”. [22]

 

 

Dessa maneira, Morelli descobriu e catalogou a forma da orelha própria de Boticcelli a de Cosmé Turá e assim por diante, traços presentes nos originais, mas não nas cópias. Com esse método propôs dezenas e dezenas de novas atribuições em alguns dos principais museus da Europa, frequentemente tratava-se de atribuições extraordinárias: Numa Vênus deitada conservada na galeria de Dresde, que passava por uma cópia de uma pintura perdida de Ticiano feita por Sassoferrato, Morelli identificou uma das pouquíssimas obras seguramente autografada de Giorgione.

Apesar desses resultados, o método Morelli foi muito criticado na época, talvez pela arrogância com a qual foi apresentado. Posteriormente, foi julgado mecânico, grosseiramente positivista e caiu em descrédito, mas muitos de seus críticos usavam seu método às escondidas para fazer suas atribuições.

Morelli não se importava com questões estéticas e foi muito contestado por isso. Ele registrava assuntos fisiológicos. Segundo Wind [25], os livros de Morelli tem uma aparência bastante insólita, se comparados com outros historiadores da arte. Eles estão salpicados de ilustrações de dedos e orelhas, cuidadosos registros das minúcias características, que trazem a presença de um determinado artista, como um criminoso é traído pelas impressões digitais. Qualquer museu estudado por Morelli adquire imediatamente o aspecto de um museu criminal.

“O conhecedor de arte, é comparável ao detetive que descobre o autor do crime baseado em indícios imperceptíveis para a maioria.” Enrico Castelnuovo [26], descreve na sua obra “A caixa de papelão”, na qual Sherlock Holmes literalmente “dá uma de Morelli”. O caso começa exatamente com duas orelhas cortadas e enviadas pelo correio a uma senhorita.

Ademais, a psicologia moderna aceitaria as definições de Morelli: pequenos gestos inconscientes revelam nosso caráter mais do que qualquer atitude formal e cuidadosamente preparada por nós. Por isso ele dizia que a personalidade do autor deve ser procurada onde o esforço da pessoa é menos intenso.

Até Sigmund Freud (1856-1939) escreveu sobre Morelli e seu método numa fase muito anterior à publicação da psicanálise no famoso ensaio chamado “O Moisés de Michelangelo” (1914), no começo do segundo parágrafo mencionou:

“(..) Creio que o seu método (Morelli) está estreitamente aparentado à técnica da psicanálise médica. Esta também tem por hábito penetrar em coisas concretas e ocultas através de elementos pouco notados ou desapercebidos, dos detritos ou ‘refugos’ da nossa observação (…)”. [27]

Entre Morelli, Holmes e Freud: nos três casos, destacam-se o modelo da semiótica médica, a disciplina que permite diagnosticar as doenças inacessíveis à observação direta na base de sintomas superficiais, às vezes irrelevantes aos olhos do leigo.

 

Século XX

Estados Unidos, ano 1900. Bernard Berenson (1865-1959) publica o livro Rudiments of connoisseurship: Study and criticism of italian art, [29] em que aplica o método Morelli, ele foi um dos mais importantes Connoiseurs do século XX.

Ele dizia que fundava sua dedução baseado nos métodos da percepção do Dietrich Von Hildebrand e inventou uma atividade chamada Adviser: conselheiro artístico de milionários americanos desejosos de criar coleções. Ele nunca se entregou à “detestável produção de certificados de autenticidade, verdadeira chaga de um comércio de arte que, por vezes, tentou até mesmo eruditos autênticos”, tal como Gerardo Bazin (conservador e restaurador do Museu do Louvre) expressa no seu livro “História da História da Arte” que quando alguém apresentava um quadro com um certificado de autenticidade, dizia logo: “Não adianta mostrá-lo, pode leva-lo, é falso” [30], demonstrando também a exagerada arrogância que, às vezes, os funcionários de instituições prestigiosas têm respeito de seus colegas e pesquisadores, atitude que persiste no século XXI.

Berenson sustentou seu método no processo de comparação de Morelli e já com a ajuda importantíssima da fotografia. Já na época existia tecnologia suficiente para comprovar autoria, mas Berenson repeliu as interpretações biográficas, psicanalíticas, metafísicas e se manteve dentro da noção formalista das obras de arte.

 

 

Bélgica, ano 1902. Georges Hulin de Loo (1862-1945) foi um erudito burguês belga, dentro do contexto da história da arte do século XIX na Bélgica, que se destacou por suas possibilidades de estudo no exterior e pela altíssima posição socioeconômica.

Foi em 1902, quando em Bürges aconteceu uma exposição de arte flamenco chamada de “Primitivos Flamengos”, ele ficou indignado pela quantidade de erros do catálogo e decidiu realizar um “Contra Catálogo”, intitulado “Catálogo Crítico”, no qual corrigia atribuições errôneas ou demasiadas vantajosas, revelando outros artistas desconhecidos. Propôs, assim, novos agrupamentos para anônimos. Esse catálogo crítico é muito raro e, segundo estudos, seus críticos compraram todos seus catálogos para queimá-los.

Itália: Roberto Longhi (1890-1970) foi um historiador de arte e Connaisseur famoso por seus estudos sobre Caravaggio, Velázquez, Piero della Francesca e Masaccio, entre outros. Adepto ao método “Filológico” (termo em Italiano), baseado em estudos morfológicos e estilísticos, bem como na documentação, além de ter sido um fervoroso protetor da obra. Obras estas consideradas autênticas por ele e com o objetivo de não deixar peça sem atribuição. Era muito combativo e acérrimo concorrente de Berenson, então suas opiniões tentavam contrariar qualquer posicionamento do americano, perdendo sua imparcialidade como pesquisador.

Era muito comum (e ainda é) que os Connoisseurs estivessem pouco atraídos pela publicação de livros. Suas opiniões eram publicadas apenas em artigos, deixando invisível para a história da arte muitos dos conhecimentos aplicados na pesquisa de Arte.

Alemanha, ano 1930. Max Friedlander (1857-1968) converte-se no diretor e maior autoridade do Museu de Berlim. Era um Connoisseur muito respeitado, estudou muito os discípulos dos grandes mestres e catalogou, entre 1924 e 1957, três mil quadros da Pintura Neerlandesa dos séculos XV e XVI. Foi responsável (durante sua passagem pelo Museu de Berlim) pela incorporação da obra “Adoração dos Pastores”, de Hugo Van Der Goes, ao acervo da instituição. Conseguiu descobrir e apontar para a história dados dos grandes copistas das pinturas flamencas.

Respeitoso até o limite dos dados objetivos, o perito sempre se mostrou “prudente” não hesitando quando reunia os elementos de formular hipóteses de autoria. Publicou um livro chamado “Da arte e do conhecedor”, em que faz um detalhe das diferenças que tem o Connoisseur e o historiador  da arte. Segundo ele,

É difícil conciliar os deveres do Connoisseur do Historiador da arte, o historiador entra frequentemente em conflito com o amador, o gênio é seu inimigo e as vezes é tentado a desembaraçar-se dele. Tem mais facilidade em lidar com o encadeamento exato dos princípios que com a diversidade imprevisível dos rostos. [31]

Friedlander pensava e falava que a perícia de arte só poderia ser interdisciplinar, já que o pesquisador isolado comete erros nas suas conclusões por falta de visão global. Literalmente, ele falou: “Uma das fontes de erro que ameaça ao Connoisseur é, o que eu chamarei de instinto do caçador que, caçando por caçar, se engana atirando num Melro que tomou por um tordo” [32],

Segundo Bazin, o Connoisseurship nunca será uma ciência, já que está sujeita a inúmeras variáveis, à sensibilidade do erudito, à moda e a arte da percepção. Bazin tinha razão, o paradigma tinha que mudar para poder dar o passo seguinte.

 

A obra de arte frente ao perito: a falsificação na história da arte

[Do início do século XX ao século XXI – 2ª. Parte] Autor: Perito Gustavo Perino

 

Desde o surgimento do Connoisseur no século XVIII, a figura do expert em arte tem passado por muitos estágios e os grandes nomes, que ao longo da história tem contribuído esta incrível profissão, tem sido sistematicamente apagados das hegemônicas publicações de história da arte. Na primeira parte deste artigo apresentamos grandes personagens que são os principais responsáveis pelo estabelecimento desta profissão, mas, foi no século XX que se consolida e estrutura essa atividade, com incorporação de método acadêmico e intervenção tecnológica. A nova perícia de arte começará por Argentina e França.

 

França, ano 1930. Os Argentinos Fernando Perez (1863-1935) e Carlos Mainini (1867-1943) criaram o estudo de arte chamado Pinacologia [1] e foram os primeiros em incorporar tecnologia disponível para a medicina para o estudo das obras de arte de maneira sistemática.

Muitas dessas obras exigem atendimento de urgência, que deve ser emprestado por mãos prudentes e muito hábeis. Este resultado não pode ser alcançado sem a colaboração da ciência e da arte, quem de agora em diante não deveria viver separado. (PEREZ 1930) [2]

Esse ano, graças a Fernando Perez e Carlos Mainini, uma nova ciência, a pinacologia, se estabelecerá em Paris e um laboratório de pesquisa será criado em um dos locais mais emblemáticos do patrimônio: o Louvre.

Dois diplomatas médicos a serviço da arte são os protagonistas dessa história Franco-Argentina e, por seus respectivos caminhos, compartilham muitos pontos em comum. A primeira é fruto desse desejo de europeização da Argentina, impulsionado por Alberdi, que favoreceu a imigração de uma população educada, maioritariamente europeia, contribuindo para o progresso intelectual do projeto da nova nação pensada pela geração do 80 [3]

Nascido na Argentina, filho de um basco francês, Fernando Perez realizou seus estudos médicos em Paris e tornou-se doutor em medicina na Faculdade de Paris, em 1888. Foi um brilhante otorrinolaringologista com trabalhos feitos no Hospital Infantil e no Hospital Francês de Buenos Aires, onde realizou a primeira laringectomia total na Argentina em 1893 e a segunda na América Latina. Obteve, por sua pesquisa e sua luta contra a malária o título de doutor honoris causa da Universidade de Roma (1927).

Carlos Mainini nasceu em Gallarate, perto de Milano, sua família migrou para a Argentina no início do século XX. Ingressou na faculdade de ciências médicas da Universidade de Buenos Aires e tornou-se doutor em 1904.

A colaboração entre Perez e Mainini data de 1925, quando participaram de uma delegação argentina no primeiro Congresso Internacional de Malária em Roma.

Além de embaixadores médicos e membros de muitas sociedades científicas argentinas,  ambos realizavam uma carreira diplomática na Europa. Em um contexto de pós-guerra, em que as relações entre a França e a América Latina foram muito afetadas, a Argentina mantém e reforça sua presença consular na França, dobrando sua filiação entre 1914 e 1930 e mudando o perfil de seus representantes que eram homens do direito, da política ou militares, substituindo-os pelo melhor talento literário e científico. Nesse sentido, Perez e Mainini ilustram essa nova burguesia estudando em universidades europeias, representam um trampolim social e político que constituiu a consagração da burguesia.

Na época, tem uma grande delegação chefiada por um embaixador extraordinário e plenipotenciário na pessoa de Álvarez de Toledo, amigo de Bourdelle. Com este último, Mainini navega nesta aristocracia intelectual franco-argentina, como evidencia o célebre jornal Caras y Caretas, no qual aparece como figura intelectual dos “Argentinos em Paris”, ao lado de seus compatriotas: os pintores Quirós e Ramauge, o escultor Lagos e Leguizamon Pondal,  os  doutores  Uríburu e Monsegur e o poeta Oliverio Girondo.

Durante sua residência na França, Mainini casou-se, em 1929, com a jovem viúva Coralina, conhecida como “Cora”  Kavanagh, consolidando sua posição na classe média alta da Argentina. O casal representa uma fortuna substancial. O casal Mainini estava em todas as recepções da alta  sociedade  parisiense e Perez aparece nas publicações da “Semana Argentina”, organizada em 1927, em  Paris,  junto com outros artistas importantes. Além de seu compromisso com a pesquisa médica, Perez e Mainini trabalhavam apoiando a arte e a cultura da Argentina como mecenas para a aquisição de obras para o Museu Nacional de Belas Artes de Buenos Aires.

Como embaixador em Roma, Perez organizou vários eventos na Itália para promover seus compatriotas como o pintor Benito Quinquela Martín. Itália e França são gratas pelos investimentos em arte e ciência dos dois argentinos: Mainini será cavaleiro da Legião Francesa de Honra como médico, Perez será comandante como ministro da República Argentina. Após seu retorno, Mainini se tornará membro da Comissão Nacional de Cultura na Argentina (1936).

 

Estudo científico para autenticação de obras

No início do século XX, o mercado de arte foi contaminado pelas cópias com assinaturas apócrifas e atribuições falsas de pinturas de pintores famosos. “O mundo dos museus ainda está se recuperando de escândalos como o caso da Mona Lisa e dúvidas de Bourcier sobre a autenticidade do painel” (1926) [4]. Também os escândalos que Mainini lembra de La Plantation du mai et de La Danse villageoise, erroneamente atribuído a Watteau e adquirido pelo Louvre em 1927 pela soma de 1.500.000  francos.

Perez fica chocado com essas produções artísticas criminosas que abundam no mercado, invadem salas privadas e cruzam o limiar dos principais museus, onde o público, segundo ele, olha para as pinturas com desconfiança.

A razão para a multiplicação desses enganos deve-se à legislação muito fraca sobre a repressão das fraudes artísticas e aos historiadores da arte, que não têm métodos confiáveis para avaliar as pinturas. Perez descreve as avaliações dos historiadores como “operações muito subjetivas” e questiona aos que “julgam obras de arte pela impressão que sentem do ponto de vista puramente estético, negligenciando quase completamente seus elementos físicos”. [5]

Ele desejou preencher essa lacuna adquirindo conhecimento científico e criando documentação moderna, desta maneira tornariam possível estudar e comparar as obras de acordo com sua tripla abordagem: estrutural, cromática e estética. Perez demostra que, usando microscópio acoplado à luz oblíqua, é possível examinar e fotografar pinturas. Os resultados obtidos contribuem para o estudo da estrutura do “impaste” (acumulação de tinta) para estabelecer a atribuição de certas obras e para estudar as doenças da pintura e garantir a melhor conservação das obras-primas” [6]

 

 

 

Distinguir a cópia da peça autêntica e certificar-se de que a atribuição é a correta é um grande desafio, os peritos tornam-se mais hábeis em descobrir fraudes e os especialistas chamam as “luzes da ciência para iluminar seus julgamentos estéticos”. [7]

Na França, Chéron foi o primeiro, em 1920, a utilizar raios X, que até então era de uso exclusivo da medicina. Ele realizou um raio-X da pintura: Enfant royal em prière, de Jean Hey, demostrando que era possível observar “os índices de idade e, portanto, também a sua autenticidade”, podia-se distinguir as modificações realizadas pelo pintor, mas também o aparelhamento, as adições, as repinturas, as restaurações e, por vezes, para descobrir pinturas inteiras que desapareceram sob novas obras.

O raio-X das pinturas de Chéron foi apresentado na reunião de 13 de dezembro de 1920, na Academia de Ciências, pelo presidente e Prêmio Nobel de Física Dr. Lippmann. Com o objetivo de fortalecer esse emergente vínculo entre arte e ciência, o Instituto Internacional de Cooperação Intelectual (IICI) decide referenciar todos os métodos científicos publicados para contribuir para um melhor conhecimento das obras, como a aplicação de raios-X ou métodos ópticos. Neste contexto, Perez demonstra os benefícios de sua luz rasante na “datiloscopia artística”, o estudo das pinceladas.

Segundo o jornal L’Ouest Éclair do dia 16 de maio de 1929: “As impressões digitais dos grandes pintores antigos permitirão identificar as suas obras. Graças ao método de Perez, tem sido possível descobrir em várias pinturas de velhos mestres suas digitais nas telas” [8]

E assim ele foi capaz de colocar a serviço da  arte essa impressão digital que a medicina forense atraiu tanto em nosso tempo”. Em setembro de 1925, o ministro francês da educação, Anatole de Monzie, cria um decreto sobre a proteção de obras de arte modernas pelo processo de impressões digitais dos artistas.

Apesar dos avanços científicos, o mercado de arte da década de 1930, ainda é marcado por questões quentes e escandalosas.

 

A pinacologia de Fernando Perez

Foi depois de um artigo da agência Havas sobre a descoberta de impressões digitais em várias pinturas da Real Galeria de Veneza por Perez, feito dentro do Escritório Internacional de Museus (Foundarkidis – IOM), de julho de 1928, que o diretor da Royal Chalcography, em Roma,  o senhor Rossi, decidiu contatar o argentino. [9]

Segundo os registros da correspondência diplomática entre Foundoukidis, de Vedia, delegado da República Argentina ao embaixador argentino na França Álvarez de Toledo, a palestra Organizada pela OIM (Escritório Internacional de Museus – Unesco) em Roma, em outubro de 1930, seria considerada por alguns autores contemporâneos como a certidão de nascimento da ciência da conservação e restauração.

Perez apresenta sua pinacologia na Conferência Internacional para o estudo de métodos científicos aplicados ao exame e conservação de obras de arte, reunindo cerca de cinquenta especialistas de vinte nações, incluindo os especialistas franceses Cellerier, diretor do setor do laboratório e ensaios do Conservatório Nacional de Artes e Ofícios, o Goulinat, membro da comissão de restauração dos museus nacionais do Louvre, e o Guiffrey, restaurador do Louvre.

Verne (diretor dos museus nacionais e da École du Louvre) aproveitou e presença do Argentino em Paris para organizar, em 18 de junho de 1930, uma conferência intitulada: “Contribuição ao estudo científico das pinturas: pesquisa pinacológica realizada nos principais museus da Itália, estudo da estrutura do impasto nas pinturas”, sediado na Sorbonne, à qual são convidados muitos cientistas, políticos e diplomáticos franco-argentinos. [10]

Durante esta conferência, a revista La revue de l’Amérique latine 26, apresenta a relevância do método que Perez define como pinacologia artística, que divide em quatro ramos: [11]

 

  • Pinacologia científica e experimental
  • Pinacologia estética
  • Pinacologia histórica e comparativa
  • Pinacologia técnica

 

Nas suas próprias palavras, Perez define:

A pinacologia científica estuda a osteologia (ciência que estuda os ossos) e a miologia (parte da anatomia que trata dos músculos), a química e a física das cores, as leis que presidem suas misturas, as leis que governam o estabelecimento da cor, a composição, a decomposição e a estética da luz, a percepção das cores, a composição e as transformações dos óleos secantes e outras substâncias aglutinantes, as leis da perspectiva, a perspectiva da linha e da cor, os diferentes substratos do ponto de vista de sua estrutura, sua resistência à ação do tempo, a etiologia (determinação das causas e origens de um determinado fenômeno das fissuras), suas consequências na conservação de obras pictóricas: finalmente estuda a aplicação da pinacografia e pinacoradiologia. (Pérez, 1931) [12]

 

A pinacografia permite aprofundar o conhecimento estrutural e técnico do empasto, para o qual Perez permite determinar um empasto dissociado de um fundido, em que as partes mais grossas correspondem às sombras e luzes e onde as sombras têm precedência. Segundo ele, a escolha de um ou de outro não se deve a uma escolha do pintor, mas vem da sua mentalidade e sua psicologia e deve ser considerada como a marca de um autor ou uma corrente.

Esta abordagem mais próxima do material é permitida graças a este microscópio particular que Perez renomeou com o neologismo de pinacoscópio. O aparelho está equipado com uma iluminação lateral dupla, com o poder de ampliação na ordem das 40 a 120 vezes. Textos da época falam sobre a ferramenta: “Seu interesse pelo estudo das superfícies pintadas ou desenhadas decorre principalmente do tamanho reduzido do aparelho, de sua leveza, de sua grande capacidade de manobra e de sua qualidade luminosa, que permite “surfar” sobre a superfície a ser examinada e, se necessário, segurá-la com uma mão, realizar este exame numa superfície vertical ou oblíqua, isto é, sem mover uma pintura pendurada na parede é um grande benefício […] O pinacoscópio é usado para estudar […] os detalhes da chave e do impastos, a contextura dos suportes, os traços físicos de suas reações ao tempo, o processo particular das craquelures”. [13]

 

 

O Instituto Mainini, um laboratório médico de vanguarda

No final de sua palestra na Sorbonne, Perez anuncia ao público a disposição do casal Mainini para financiar um instituto de pinacologia no Museu do Louvre, para o qual ele doa seus clichês fotográficos [14] “Uma ovação calorosa de todo o público, de pé, saudou esses dois generosos gestos”. A proposta dos dois argentinos é oportuna porque o Louvre estava, desde abril de 1930, numa fase de reflexão com a criação de uma comissão para estudar a organização de um laboratório para testes e identificação de obras de arte.

Em setembro de 1930, Perez e Mainini foram nomeados membros da comissão por ordem da comissão, Perez doa seus clichês, coleção que estava composta de 1900 fotografias e 1100 slides que constituirão a coleção da biblioteca de documentação científica dedicada à pintura, Mainini doa os aparelhos e equipamentos e financia todos os trabalhos de desenvolvimento do laboratório.

Em 14 de outubro de 1931, a senhora Petecsche, subsecretária de Estado das Belas Artes, inaugurou o Instituto Mainini e os convidados descobriram as quatro salas do laboratório localizado na ala das Tulherias.

A primeira sala é a secretaria onde os estudos das obras são preparados e onde os resultados são arquivados. Anexado a ele um pequeno laboratório para ampliações fotográficas com uma máquina de mesa luminosa Opax Pearson. O segundo salão destina-se para o exame de trabalhos e a observação de “sintomas de uma patologia”, graças aos muitos dispositivos óticos adquiridos: ampliador mono e binoculares arranjados, Polack estereoscópico, e o Pinacoscópio de Perez.

As pinturas sob luz rasante são fotografadas na terceira sala com luzes cirúrgicas. O uso desta luz significa uma transferência de competência para o estudo, da medicina às obras de Arte.

Devido à presença de muitas fontes de luz em simultâneo, a nova luz de operação (que revolucionou o mundo da cirurgia no início do século XX) elimina as sombras vistas no paciente e permite uma melhor profundidade de campo durante o procedimento cirúrgico e gera uma luz fria que, no caso das obras de arte, respeita as cores.

Essas qualidades são relevantes para o estudo das obras e a quarta sala do laboratório será dedicada à radiologia, possui um suporte de lâmpada ajustável, uma tela, uma lâmpada ultravioleta, vários filtros de cor para análise espectral e dispositivos de radiofotografia.

Foi necessário esperar mais de um ano, até 17 de dezembro de 1932, para que fosse decretada a promulgação que fixa as atribuições do Instituto Mainini. Entanto isso acontecia, o trabalho foi organizado de duas maneiras: Por um lado, seguindo a pesquisa livre dos estudiosos, Perez estuda composição e análise cromática usando luz ultravioleta e o Dr. Polack verifica a teoria tricromática da fisiologia das cores. Os membros do laboratório, por sua vez, realizam um trabalho de especialização das coleções, o estudo do efeito de certos tratamentos (recobrimento, limpeza, retoque) e o desenvolvimento de um arquivo de trabalho. Finalmente, o Instituto auxilia os serviços públicos e alguns cientistas. O Instituto é estritamente cientista e não está disponível para o público ou comerciantes. Sua atividade é realizada no domínio exclusivo de “ciência pura é para a arte pura”, para o benefício exclusivo da documentação do museu. Desta maneira o Instituto não se envolve nos assuntos comerciais.

 

A abordagem biológica e profilática de uma pintura

Os dois cientistas incorporam um novo olhar sobre a autenticação de obras, uma questão crucial. Mainini faz a pergunta da confiabilidade do olho e da visão para conferir a autenticidade de um assunto, que tem muitos campos de pesquisa (antropologia, psicologia, fisiologia e história da arte) e a subjetividade da abordagem. Mainini e Perez demonstram uma abordagem intelectual que é específica para eles, a do médico-biólogo que veem o pintor como sujeito e, em sua produção artística, a pintura, um documento “fisiológico”, em outros termos, o resultado de uma expressão gráfica tornada possível pela sinergia de três elementos,  o cérebro, o olho e a mão do pintor.   A pinacografia permite a análise de um dos três dessa “cadeia fisiológica”.

A aplicação das leis que regem os fenómenos da vida ao estudo da pintura implica o conhecimento daqueles que presidem ao movimento da mão que os executa, os da visão que discerne as formas, recolhe e analisa as cores. E enfim, os mais misteriosos e talvez insondáveis elementos que determinam, no jogo das forças cerebrais, o surgimento do pensamento, do talento e do gênio. (Mainini 1938) [15]

A Pinacologia é uma  ciência  complementar para desvendar os  mistérios  do  nascimento e da vida de uma obra de arte,  para preservá-la   e oferecê-la ao futuro. Em uma nota enviada ao subsecretário de Estado das Belas Artes, Verne resume o alcance e a originalidade dos estudos realizados no Instituto Mainini:

(…) A química e a física das cores,  as  leis que presidem suas misturas, a composição e transformação dos óleos, os secantes e outras substâncias aglutinantes, a percepção física das cores e as leis que as governam, os diferentes substratos do ponto de vista sua estrutura, sua resistência à ação tempo, a etiologia e a profilaxia das trincas. (Verne, 1933, p. 161) [16]

“Etiologia” e “profilaxia”, são palavras refletem esta aproximação particular dos dois doutores argentinos, que buscaram identificar e entender tanto as causas como os fatores de uma deterioração (doença) de trabalhos e estabelecer os meios para lutar contra a sua aparência, propagação e/ou agravamento.

O principal axioma de Perez é o estudo ao serviço de um conhecimento que ele conhece muito bem: “Na medicina, estuda-se a biologia, a histologia, a fisiologia do homem saudável antes estudar os do homem doente. Antes de falar sobre pinturas falsas, vamos examinar as belas pinturas que são inegáveis”.

Assim, é tanto para autenticar o trabalho [o paciente] apenas para conhecer as etapas biológicas de seu nascimento, sua vida e, às vezes, sua morte. Todos os estudos realizados visam a constituição de um arquivo de trabalho, analogia ao prontuário pessoal, em que são registrados os antecedentes (ficha histórica e bibliográfica, ficha cardiconográfica), os exames diretos e as fotografias realizadas (ficha pinacográfica, ficha radiológica), análises (tabela cromática), o exame e observação dos sinais e sintomas de uma patologia (registro relativo ao seu estado de conservação, à topografia das lesões) e atos praticados no passado (retoques sofridos). De acordo com Perez:

 

É permissível para um pinacologista não ser um crítico de arte, um radiologista não é um médico, mas hoje não existe um médico, realmente digno do nome, capaz de assumir a responsabilidade de diagnosticar privando-se da ajuda dos novos métodos de exame. (Pérez, 1931) [17].

A abordagem de Pérez e Mainini é colocar em perspectiva a abordagem profilática da medicina moderna argentina. De fato, a partir de meados do século XIX, o país é confrontado com a necessidade de controlar doenças epidêmicas e endêmicas que ressurgem com as diferentes ondas migratórias. Indubitavelmente, preocupados com a ameaça do comércio externo estável e da regulamentação urbana de novos residentes, “as autoridades estão respondendo aos desafios da saúde com uma abordagem higienista positivista, ambiental, urbana, educacional e profilática”. Treinados neste processo durante seus respectivos estágios na França ou na Argentina, Perez e Mainini fazem parte da nova geração de higienistas médicos, cuja estratégia combina profilaxia, medicina preventiva, antecipação e educação da sociedade civil.

O trabalho interdisciplinar é para eles o único caminho de abordagem de um assunto complexo e esta visão é determinante para o êxito do instituto que acompanha o museu até nossos dias.

Ciência nos museus e seus oponentes Apesar da colaboração necessária entre connoisseur-historiador e químico-físico-doutor, certas posições se opõem a uma ciência exata, tão pragmática, baseada só em fatos, temos a crítica de arte ligada à fatura, personalidade e estilo de cada artista. No livro “Bauer et Rinnebach”, de 1931, temos a seguinte apreciação:

Longe de nós o pensamento de condenar os métodos empregados até hoje no estudo das pinturas […]; é antes uma questão de indicar maneiras e meios, como as ciências exatas nos oferecem, que hoje se tornaram ciências auxiliares absolutamente indispensáveis neste campo e podem ser usadas para as finalidades particulares do estudo das pinturas. Além disso, no futuro, são essas ciências que, em primeiro lugar, fornecerão uma base exata, científica e incontestável para a apreciação crítica de pinturas e outros objetos a serem examinados; isso nos permitirá alcançar, através de uma colaboração inteligente e harmoniosa, um resultado verdadeiramente objetivo, livre de toda contestação, para alcançar, em uma palavra, o objetivo de toda pesquisa: a verdade. (Bauer et Rinnebach, 1931 [18]

Além das incontestáveis vantagens, sempre tem os detratores da novidade. Foundoukidis, em 1930, é o primeiro a admitir que os métodos científicos aplicados ao exame e conservação de obras de arte trouxeram muitas controvérsias. De fato, a incursão da ciência nos museus de arte parece óbvia para alguns, ainda que tenha seus opositores.

A voz dos oponentes aparece no relatório do XII Congresso Internacional de História da Arte, realizado em Bruxelas, em 1931, que destaca que entre os 174 artigos, um grande número de artigos dedicados aos métodos de laboratório científico para o exame de obras de arte.  Entre os ouvintes, um autor, desde o anonimato, ironiza  sobre o que foi dado por Perez sem nomeá-lo:

Um especialista chegou a achar necessário inventar um termo sofisticado para designar toda essa pesquisa, Pinacologia. Vamos nos tranquilizar: emergiu dessas intervenções, nunca buscando a expertise na ciência irá substituir análise estilística. O polemista afirma que os meios do historiador ou crítico de arte são suficientes para revelar os erros cometidos sobre a autenticidade de obras e que o uso de métodos Cientistas não têm precedência sobre o resto. Os historiadores da arte não são os únicos que relutam, os curadores de museus têm uma visão negativa da incursão da ciência que exigiria uma expansão de seu perfil e de sua formação inicial. O arquivista denuncia um plano de recruta- mento que exigiria a o futuro conservador títulos científicos é um expert da arte vai ter que saber a técnica da química e de raios-X, xilologia, pinacologia e assim por diante. (Espezel, 1931) [19]

 

A pinacologia, caiu no esquecimento?

Em 26 de julho de 1935, a caminho para o Instituto Mainini, Fernando Perez é levado por um ataque cardíaco ao hospital, onde morre. A morte do Dr. Perez se reflete nos jornais regionais e nacionais da França, Europa e Argentina, em que saudamos “o iniciador do laboratório do Museu do Louvre”. Fernando Perez deixou bem claro os conceitos e definição da pinacologia:

Esse neologismo, que eu criei, responde a uma nova concepção do que é chamado de <crítica de arte>, um termo vago e impreciso que se aplica a múltiplas e variadas manifestações da atividade intelectual. A pinacologia abrange todo o conheci- mento necessário para estudar e analisar trabalhos pictóricos e facilitar sua compreensão. (Perez, 1930) [20]

O legado da ciência, um presente do  novo século: Muitos museus de arte irão gradualmente equipar laboratórios e aparelhos de investigação com os cientistas à frente: entre outros, o químico Professor Rathgen e o primeiro laboratório do Museu Real de Berlim (1888), o químico inorgânico. Dr. Scott no Museu Britânico (1920), Forbes criando o primeiro laboratório nos Estados Unidos no Museu de Belas Artes de Boston (1928), e Dr. Fernando Perez e Carlos Mainini no Louvre (1931).

Se Perez foi o pai da Pinacologia, a Dr. Garzia é a mãe. Ela manteve para a sua memória um verdadeiro culto, publicara na sua tese na Ecole du Louvre, com o apoio de seu diretor e tutor Dr. Perez. Pesquisadora da Universidade de Nápoles, em 1930, ela respirará a pinacologia na Itália e, mais particularmente, em seu laboratório em Nápoles. Na Argentina, Mainini promoveu  a  Pinacologie  do seu amigo  Perez  para  a  comunidade  cultural e artística com uma palestra no Museu Nacional  de Belas Artes, em Buenos Aires, (25 de outubro 1934) e da comunidade científica em uma conferência especial no Academia Nacional de Ciências de Buenos Aires (31 de outubro de 1938).

Mainini nessa oportunidade expressa: “Consciente da minha responsabilidade, a […] convicção motiva-me a realizar um ato de justiça que deve ser devidamente apreciado por quem está preocupado com os valores culturais do nosso país”.

Apesar desse desejo, o trabalho científico e filantrópico de Perez e Mainini permanece, hoje, pouco conhecido na França e ainda muitas vezes ignorado na Argentina.

 

Momentos acadêmicos em América Latina

Argentina 1966: Cria-se a Escola municipal de avaliadores. No ano 2003, a Universidade do Museu Social Argentino registra ante o ministério de educação a carreira técnica de avaliadores de arte organizada por profissionais apo- sentados do Banco Municipal de empréstimos ou chamado depois de Banco Ciudad de Buenos Aires. Em 2008, registra-se a carreira como Bacharel em Peritagem e Avaliação de obras de arte.

Holanda 2012: Realiza-se o primeiro congresso europeu de peritagem de obras de arte, chamado Authentication in Art.

Argentina 2012: Cria-se o Grupo Interdisciplinar de Avaliação de Obras de Arte – GIVOA sendo a primeira consultora integral de peritagem da região, em 2016 realiza-se em Buenos Aires o Primeiro congresso internacional de peritagem de arte da América Latina chamado ICAE, cuja segunda edição foi em 2018 no Rio de Janeiro, Brasil.

Brasil 2017: Inicia-se o curso de pós-graduação em Peritagem e Avaliação de Obras de Arte, regulamentado pelo MEC, na Universidade Santa Úrsula, no Rio de Janeiro

 

Criação das coleções

O contexto das cidades latino-americanas no início do século XX era similar e, como exemplos, temos a Cidade de Buenos Aires e a Cidade do Rio de Janeiro, reconhecidas como grandes metrópoles em crescimento, das quais palácios comportavam muitas obras de arte para serem colocadas à disposição da nova burguesia econômica. Na Europa, já estava funcionando, com muita perfeição, uma “fábrica de obras de grandes mestres” e no jornal La Nación, de Buenos Aires, de 1888, já se retratava com ironia esta situação:

Aconselhamos imediatamente e com toda boa intenção aos expositores e proprietários destas pinturas, que os levem no primeiro vapor à Europa, que não os queimem aqui, já que lá um Rivera, um Murillo, um Van Dyck lhes será pago muitas vezes com libras esterlinas. (…) Por que vender aqui a 500 pesos o que lá vale um milhão e meio de francos? (…). [21]

 

Esta situação deu origem a maioria das nossas coleções públicas e, um século depois, o estudo dessas peças ainda é inexistente, apresentando um enorme desafio na hora de iniciar uma pesquisa baseada em obras de caráter “duvidoso”, presentes nos acervos de nossas instituições.

 

Mercado de arte e a custódia do patrimônio

Tipos de mercado

Para ter uma dimensão do problema, devemos considerar a composição do mercado de  arte internacional, que está dividido em duas grandes áreas:

Mercado primário: é aquele que trabalha com obras vindas direto do artista. Exemplo, o próprio artista visual, a Galeria que o representa etc.

Mercado secundário: é quem comercializa obras que já saíram de Galerias do mercado primário, ou quem as conserva. O mercado secundário é quando uma obra de arte já foi comercializada mais de uma vez.

A área de intervenção do perito normalmente é sobre o mercado secundário. As vendas globais de arte alcançaram um valor estimado de US$ 67,4 bilhões em 2018  [22]

 

Peritagem de obras de arte e a intervenção tecnológica

 

 

 

O que é uma perícia?

Falando das obras de arte, é o conjunto de técnicas e habilidades que permitem definir se uma obra de arte é autêntica ou não. Também tem como objetivo determinar o estado de conservação geral e seu valor do mercado. Tem diferentes métodos de verificar e determinar autenticidade de uma pintura.

O conjunto dos resultados permite ao perito identificar e reconhecer os fatos que tem relação com a produção do artista que ostenta. As faltas destes elementos permitirão determinar a sua falsidade ou falta de mérito. Uma peça de arte deve ser avaliada interdisciplinarmente e depois deve-se estabelecer os procedimentos adequados para cada caso. Normalmente, o processo de pesquisa tem esta estrutura [23]

 

Categorias das obras (definidas por convenção)

Autêntica: Uma obra é autêntica quando não tem dúvidas sobre sua autoria.

Atribuída: Quando muitos elementos da pesquisa confirmam a possibilidade de autoria, mas não tem o peso suficiente para confirmar a sua autoria.

Cópia: Trata-se de uma reprodução que imita o material e técnica a uma obra de arte original. Este ato não necessariamente tem a intenção de engano.

Imitação: São os casos onde se imita uma obra original, tentando copia-la, mas não é igual, entram dentro deste grupo as obras que são feitas com inspiração na obra original.

Réplica: Trata-se de uma cópia de uma obra original que é igual em medidas, técnica e características. Usualmente estão identificadas como “replicas”.

Plágio ou Falsificação: Trata-se de uma cópia feita com a intenção de enganar.

Obra falsa: São as obras que tentam simular uma identidade falsa, passar como se fosse de um artista famoso, mas foi feita por outra pessoa (obra nova), usualmente ingressam dentro deste grupo as peças que têm assinaturas falsas.

 

Comportamento do cliente & necessidades e desafios do cliente:

  • O cliente tem uma obra e deseja vendê-la;
  • O mercado pede uma documentação que muitas vezes o cliente não tem;
  • O custo de análises e perícia pode superar o valor da peça;
  • O tratamento que recebe o cliente  por  não pertencer ao “círculo” do mercado promove que ele tome decisões erradas;
  • O mercado não tem uniformidade de critérios e a legislação é muito fraca.

 

Necessidades e desafios do perito no contexto interdisciplinar:

  • O perito deve trabalhar com uma equipe  e desenvolver uma pesquisa;
  • Os honorários profissionais e os custos do laboratório impossibilitam muitos orçamentos;
  • Concorrência atual com o amador de arte. Um conhecedor amigo do mercado ou um profissional académico imparcial;
  • As instituições  ainda  não  reconhecem a necessidade de fazer perícia e avaliar obras de um acervo;
  • O poder judiciário tem pouco conhecimento da existência de profissionais especialistas.

 

A intervenção tecnológica data de 1931, contudo, ainda hoje a sua utilização diária está longe de cobrir as necessidades. Uma grande parte do mercado segue uma escola obsoleta, resiste-se aos conhecimentos da perícia porque ela procura profundamente a verdade e qualquer mudança na atribuição de uma obra representa um problema económico potencial. A identificação de um pigmento ou suporte não constitui uma peritagem de arte, os materiais podem ser compatíveis.

Por isso resulta indispensável que um trabalho interdisciplinar e sério de verificação técnico-científica seja realizado por um profissional académico que responda com responsabilidade profissional e legal pelo laudo pericial que ele conclui e assina.

Sobre o Autor

Bacharel em Peritagem e Avaliação de obras de arte pela Universidad del Museo Social Argentino. Revalidação do diploma no bacharelado em museologia pela UNIRIO. Pós-graduado em gestão cultural e comunicação da Faculdade Latino-americana de Ciências Sociais – FLACSO. Atualmente professor universitário e coordenador do curso pós-graduação em peritagem de obras de arte pela Universidade Santa Úrsula do Rio de Janeiro. Professor de curso de extensão na Universidade ESEADE (Buenos Aires) e da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (pró-reitoria de extensão e cultura). Ativa participação em eventos educativos ministrando diversos cursos, workshops e seminários em diversas instituições públicas e privadas da Argentina e do Brasil. Membro do ICOM brasil e perito judicial da ordem dos peritos do brasil – OPERB e IPJUD. Membro do instituto de avaliação e autenticação de obras de arte – i3a. Membro do comitê científico das jornadas de peritagem de arte na Universidad Antônio de Nebrija. Madri, Espanha. Membro do comité de criação de normativa técnica para avaliação comercial de arte na Colômbia – INCOTEC. Membro da Associação Nacional de Pesquisa em Tecnologia e Ciência do Patrimônio – ANTECIPA. Perito credenciado na associação artística cultural Oswaldo Goeldi, São Paulo. Fundador e diretor da Givoa Art Consulting desde 2012 (empresa dedicada à peritagem de arte). Criador e organizador do International Conference Artwork Expertise – ICAE (congresso internacional de peritagem de obras de arte) nas suas duas edições: Buenos Aires 2016, Rio de Janeiro 2018. Participou de mais de 100 projetos de peritagem de arte em diversos países.

 

Artículo publicado em Portugués: Revista RESTAURO ISSN 2527-1814 2020-2021

Artículo publicado em Espanhol: Revista ASINPPAC ISSN 2684-0340 2020-2021

 

Notas 1 Parte

[1] KULTERMANN, Udo. Historia de la historia del arte. El camino de una ciencia. Madri: Akal. 1996. p. 193.

[2] ABC Cultura, Espanha. Disponível em: <https://www.abc.es/cultura/arte/abci-falsificador-arte-engano-nazis-202011111906_noticia.html?ref=https:%2F%2Fwww.google.com%2F>. Acesso em: 08 jan. 2021.

[3] FRIEDLAENDER, Walter; MANCINI Giulio. Considerazioni sulla pittura. Roma: College Art Association, 1962.  p. 146. (The Art Bulletin)

[4] Etymology Dictionary . Disponível em: <https://www.etymonline.com/word/connoisseur#:~:text=1714%2C%20%22a%20critical%20judge%20of,cognoscere%20%22to%20get%20to%20know%2C>. Acesso em: 08 jan. 2021.

[5] RICHARDSON, Jonathan. An essay on the theory of painting. London: Printed for W. Churchill, 1719.

[6] HOGARTH, William. The painter and his pug. Londres: Tate Britain, 1745. Disponível em: <https://g.co/arts/3Zr9yu78k8r5dqs5A>. Acesso em: 08 jan. 2021.

[7] BAZIN, German. História da história da arte. São Paulo: Martin Fontes, 1989, p. 191.

[8] MILIZIA, Francisco de. Arte de ver en Bellas Artes del diseño. Madri: Imprenta Real, 1827.

[9] Idem, p. 160.

[10] Ibidem, p.172.

[11] KERN, Daniela. Revivais pluralistas na historiografia da arte: Champfleury e os le nain, Thoré-Bürger e Veermer. Ouro Preto: EdUFOP, 2012.

[12] Idem.

[13] Bulletin n° 1, 25 jun. 1842. (Capa). Disponível em: <https://gallica.bnf.fr/ark:/12148/bpt6k6138795n/f2.item>. Acesso em: 8 de jan. 2021

[14] ______, p.1. Disponível em: <https://gallica.bnf.fr/ark:/12148/bpt6k6138795n/f4.item>. Acesso em: 8 de jan. 2021.

[15] Biblioteca Nacional da França. Disponível em: <https://www.bnf.fr/fr>. Acesso em: 8 de jan. 2021.

[16] L´Institut National d´Histoire de l´Art. Disponível em: <https://www.inha.fr/fr/ressources/publications/publications-numeriques/dictionnaire-critique-des-historiens-de-l-art/thore-theophile.html?search-keywords=thore-phile>. Acesso em: 8 jan. 2021.

[17] BAZIN, op cit., pp. 194-195.

[18] Idem, p. 194

[19] Ibidem.

[20]  THORÉ-BRÜGER, Théophile; KERN, Daniela. Revivais “pluralistas” na historiografia da arte: champfleury e os le nain, Thoré-bürger e Vermeer. Ouro Preto: EdUFOP, 2012. p. 8.

[21] GINZBURG, Carlo. Mitos emblemas sinais. São Paulo: Companhia das Letras, 1989.

[22] Idem, p. 171.

[23] Google Art & Culture. Disponível em: < https://g.co/kgs/xvJqjh>. Acesso em: 8 jan. 2021.

[24] Atribuiu-se a Giorgione esta obra e foram confirmadas as teorias dele com métodos científicos no século XX. O método Morelli será o primeiro grande passo para a perícia em artes. [MORELLI, Giovanni. Italian painters: Critical studies of their works. vol. 2, EUA: Sagwan Press, 2018].

[25] WIND, Edgar. Critica del conoscitore in arte e anarchia. Roma: Adelphi, 1997. pp 53-74.

[26] CASTELNUOVO, Enrico. In: AGAMBEM, Giorgio. Signatura rerum. Barcelona: Anagrama 2010. p. 92.

[27] FREUD, Sigmund. The Moises of Michelangelo. Vol. XIII (1913-1914). Londres: The Hogarth Press; The Institute of Psycho-Analysis, 1955. p 9. Tradução: Disponível em: <https://areas.fba.ul.pt/jpeneda/moises.htm>. Acesso em: 8 fev. 2021.

[28] LERMOLIEFF, Ivan. Estudos críticos de arte sobre pintura italiana. Leipzig: Brockhaus 1890, pp. 98-99.

[29] BERENSON, Bernard. Rudiments of connoisseurship: Study and criticism of italian art. EUA: Schocken Books; 1962.

[30] BAZIN, op cit, p. 196.

[31] Idem, p. 201.

[32] Ibidem.

[1] https://en.wikipedia.org/wiki/Gazette_des_Beaux-Arts

 

Notas 2 Parte

[1] PÉQUIGNOT, Amandine. A pinacologie de Fernando Perez et lInstitut Mainini. n° 83, Paris: Cahiers des Amériques Latines, 1985, pp. 133-150. Disponível em: <https://www.researchgate.net/publication/314132941_La_pinacologie_de_Fernando_Perez_et_l’Institut_Mainini_quand_la_science_ de_la_conservation_s’implante_au_musee>. Acesso em: 2 out. 2019.

[2] Revue archéologique, Paris: Presses Universitaires de France 1932, n° 35, p. 149. Disponível em: <https://www.jstor.org/stable/i23902905> Acesso em: 21 fev. 2021.

[3] A Geração de 80 chamou-se a elite governante na Argentina de 1880 a 1916. Membros da oligarquia das províncias e da capital do país organizaram um novo projeto de nação.

[3] PÉQUIGNOT, Amandine. A pinacologie de Fernando Perez et lInstitut Mainini. n° 83, Paris: Cahiers des Amériques Latines, 1985, pp. 133-150. Disponível em: <https://www.researchgate.net/publication/314132941_La_pinacologie_de_Fernando_Perez_et_l’Institut_Mainini_quand_la_science_ de_la_conservation_s’implante_au_musee>. Acesso em: 2 out. 2019.

[4] O que é esta misteriosa Mona Lisa? Editorial do Louvre, n° 4068, 20. 1926

[5] PEREZ, Fernando. La Pinacoradiologie. In: Bulletin de l’art ancien et moderne. n° 782. 1931. pp. 405-412.

[6] Uma palestra do Sr. Fernando Pérez, A Revista América Latina, ano 1930, p. 191.

[7] Boyer, Jacques. Curiosas revelações da perícia radiográfica das pinturas, La Nature, 49e ano, n° 2439-2464, 1921, p. 86.

[8] Guiffrey, Jean. A radiografia das pinturas, A revista de arte antiga e moderna, n° 39, 1921, p. 124-131.

[9]  Arquivo do Escritório Internacional dos Museus (OIM), VI-2, Arquivos da UNESCO (1930)

[10] Idem p. 21

[11] Americanos na Europa, The Latin American Review, agosto de 1930, p. 191.

[12] PEREZ, Fernando. La Pinacoradiologie. In: Bulletin de l’art ancien et moderne. n° 782. 1931. pp. 406.

[13] Idem. p. 411

[14] Americanos na Europa, The Latin American Review, agosto de 1930, p. 191.

[15] MAININI, Carlos. Biologia y Pintura: la obra científica-artística de Fernando Pérez. In: Boletín de la Academia Nacional de Buenos Aires, out. 1938, pp. 597.

[16] Arquivos dos Museus Nacionais da França. Departamento de Pinturas do Museu do Louvre Dossier série p. VOl 2 (1931)

[17] PEREZ, Fernando. La Pinacoradiologie. In: Bulletin de l’art ancien et moderne. n° 782. 1931. pp. 406

[18] BAUER, Victor e Rinnebach, Helmuth. Exame radiográfico das pintura: sua importância e limites, Mouseion, vol. 13-14, n° 1-2, 1931, p. 43

[19] ESPEZEL, Pierre d’. Les Cahiers de la République des lettres, des sciences et des arts. n° 13, 1931. pp. 316-317.

[20] CATALANO, María Ida. Junções críticas. Museus, exposições, restauração e artísticas na Itália (1930-1940) Editorial Prin 2008, p. 199

[21] BALDASARRE, María Isabel. Los dueños del Arte. Local: Edhasa, 2006. p. 129

[22] UBS Artmarket report, 2018. Disponível em: <https://www.ubs.com/global/en/our-firm/art/2019/art-basel.html> Acesso em: jan. 2021.

[23] PERINO, Gustavo. Processo de pesquisa registrado pela Givoa Art Consulting (Argentina-Brasil)